Bem Vindo,

sábado, 26 de novembro de 2011

Origem dos Partidos Políticos


Partidos Políticos

1. Histórico

A existência de partidos políticos é tão antiga quanto à do Estado. Desde a antiguidade, com os patrícios e plebeus em Roma, osguelfos e guibelinos nas cidades medievais, os jacobinos egirondinos na França revolucionária até os atuais republicanos e democratas dos Estados Unidos e liberais e socialistas da Europa e também no Brasil.

Com o fim do absolutismo e a inauguração do sistema representativo, a diversidade de pensamentos e a necessidade de se governar por representante levaram as pessoas a se agruparem em partidos. Antes, reprimidos, hostilizados e desprezados e hoje, necessários a democracia.

William Bennet Munro definiu uma noção de oposição política explicando que os adversários do governo não são inimigos do Estado e de que os opositores não são traidores ou subversivos.

2. Conceito

Na doutrina o conceito de partidos políticos não é um tema unânime.

Edmund Burke (Sec. XVIII): um corpo de homens que se unem, para colocar seus esforços comuns a serviço do interesse nacional, sobre a base de um princípio ao qual todos aderem.

Benjamim Constant (Sec. XIX): uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política.

Hans Nawiasky (Sec. XX): Uniões de grupos populacionais com base em objetivos comuns.

Kelsen (Sec. XX): São organizações que congregam homens da mesma opinião para afiançar-lhes verdadeira influência na realização de negócios públicos.

Hasbach (Sec. XX): é uma reunião de pessoas, com as mesmas convicções e os mesmos propósitos políticos, e que intentam apoderar-se do poder estatal para fins de atendimento de suas reivindicações.

3. Sistemas partidários

3.1. Unipartidarismo

Sistema onde só admite um único partido no Estado como representante da população inteira. Nesse sistema os debates devem ser tratados dentro do partido. O partido se confunde com o poder.

Mais frequente nos países recém-egressos do regime colonial. Aí o partido único aparece como força política coroada pelo prestígio alcançado na participação que tece durante o movimento criador da independência nacional (países afro-asiáticos).

Também surge como remédio nas ocasiões de crises mais graves e dolorosas. Ex. Antiga URSS (1917-1991); República Popular da China e República Socialista de Cuba.

3.2. Bipartidarismo

Sistema onde existem dois grandes partidos políticos que dividem o poder, um ocupando o governo e o outro na oposição. Não se excluem outros partidos, porém, por motivos diversos e sem qualquer interferência do Estado, permanecem pouco expressivos.

Para Nawiasky, são pressupostos do sistema bipartidário que ambos os partidos se ponham de acordo quanto aos fundamentos de organização do Estado (regime); e que ambos se reconheçam em termos de mútuo respeito e lealdade. Ex. No Brasil império (1822-1889), Partido Liberal e o Partido Conservador; Governo Militar do Brasil (1964-1984), Aliança Renovadora Nacional – ARENA e a oposição com o Movimento Democrático Brasileiro – MDB; Inglaterra com Conservadores e Trabalhistas e nos Estados Unidos com os Democratas e Republicanos.

3.3. Pluripartidarismo

Sistema que admite vários partidos políticos, aquele adotado pelo Brasil.

Cada corrente de opinião tem uma graduação interna, indo desde os mais radicais aos mais moderados. Quando a distância entre elas aumenta há um fracionamento. E quando essa corrente de opinião tem um partido representativo, o fracionamento leva à constituição de, pelo menos, mais um partido.

4. Âmbito de atuação dos partidos

Universal: pretende atuar além das fronteiras dos Estados, baseando-se a solidariedade entre seus membros numa teoria política de caráter universal.

Nacional: aquele partido que tem adeptos em todo território do Estado. Não é necessário que haja uma distribuição uniforme do eleitorado por todo o Estado, o que importa é a expressão nacional do partido.

Regional: aquele cujo âmbito de atuação se limita a determinada região do Estado.

Local: aquele de âmbito municipal, que orienta sua atuação exclusivamente por interesses locais.

5. Regulamentação legal nacional

a) Constituição Federal de 1988.

b) Lei 9.096 de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).


6. Bibliografia recomendada


AZAMBUJA, Darcy, Teoria Geral do Estado, 42 ed., São Paulo: Globo, 2002.


BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 13 ed., São Paulo: Malheiros, 2006.


CICCO, Cláudio de; GONZAGA, Alvaro de Azevedo, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.


DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria do Estado, 29 ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Medidas Cautelares Comentada


Medidas cautelares penais (Lei 12.403/11). Novas regras para a prisão preventiva e outras polêmicas.

 

 

1. Introdução
A recente aprovação da Lei 12.403/11 trouxe importantes alterações no sistema de cautelares pessoais no processo penal. O numero e a natureza das medidas, sua forma de aplicação e uma série de instrumentos de controle sobre sua duração são temas que merecem atenção.
Antes de tratar da lei em si, vale destacar que sua aprovação revela a crescente importância que assumem as medidas cautelares processuais, tanto na esfera civel quanto na penal. O fenômeno da cautelarização é comum a todas as áreas de jurisdição. A notória morosidade da Justiça, que estende em demasia o lapso temporal entre a demanda e a decisão definitiva provoca a antecipação dos atos processuais. A ânsia social pela solução das demandas, a angustia dos magistrados em tornar efetivas as decisões tomadas, e a constatação de que a lentidão desprestigia os mecanismos formais de resolução de litígios, valorizou a figura da cautelar, com conseqüências positivas e negativas para o sistema judicial e para os jurisdicionados.
Percebe-se um deslocamento do núcleo do processo. Se antes as sentenças eram o centro em torno do qual giravam os atos processuais, hoje o ponto nelvrágico do litígio é a liminar e a antecipação de tutela. O objeto da disputa deixou de ser a sentença final favorável - distante no tempo - mas a antecipada prestação jurisdicional cautelar, cuja precariedade deixa de ser relevante diante da longa vigência. Da mesma forma, os atos de impugnação às cautelares - civis e penais - também substituem os recursos ordinários em importância e numero. Os agravos e habeas corpus tomam o lugar das apelações, com conseqüências importantes para o aumento da litigância e do numero de processos nos tribunais. Enfim, parece que parte significativa da vida processual foi deslocada para o início do litígio, antecipada, ao mesmo tempo em que as decisões definitivas finais se tornaram apenas um desfecho longínquo e sem interesse, dada a usual inoperância de seus efeitos, mitigados pela passagem do tempo.
É natural que o fenômeno da cautelarização do processo tenha chamado a atenção do legislador, que passou a alterar as regras atinentes à questão. No processo civil, inúmeras e recentes leis tratam do tema, como a aprovação das regras de execução de títulos judiciais e extrajudiciais, que fortaleceram a execução provisória como instrumento de valorização das decisões judiciais de primeiro grau (Lei 11.232//2005 e Lei 11.382/2006).
No processo penal, no entanto, o uso de cautelares é mais delicado, diante de sua natureza pessoal. Tais medidas afetam a liberdade de locomoção e a intimidade, mais que o patrimônio, daí a necessária prudência em sua aplicação. Mas nem por isso o mesmo fenômeno percebido no processo civil deixa de se revelar. As prisões cautelares e os respectivos habeas corpus tem mais destaque do que sentenças e apelações, e o fenômeno da execução provisória apenas recentemente deixou de ser reconhecido diante da presunção constitucional da inocência.
Nesse contexto, a Lei 12.403/11 merece toda a atenção, porque trata justamente das cautelares pessoais no processo penal.
2. Excurso histórico
Em breve síntese histórica, a proposta aprovada foi apresentada - em conjunto com outras sete propostas de reforma pontual do CPP - em janeiro de 2001 pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Tais projetos propostas foram elaborados por uma Comissão formada por juristas membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual (Ada Pellegrini Grinover, Petrônio Calmon Filho, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Jr., Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rui Stoco, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Benetti), instituída em fevereiro de 2000 no âmbito do Ministério da Justiça.
Em 2004, o projeto em discussão e alguns outros apresentados pela Comissão Pellegrini foram apontados como essenciais à modernização do processo penal pelo 1º Pacto por um Judiciário mais Rápido e Republicano, um compromisso firmado pelos chefes dos três Poderes da República para racionalização da prestação jurisdicional. Mesmo assim, a proposta ainda foi objeto de intensos debates e discussões até ser aprovada nesse ano, e sancionada como Lei 12.403/11.
A nova lei reformula as regras sobre as cautelares no processo penal, e amplia o número de medidas possíveis. A norma não trata das cautelares reais, que asseguram bens para a reparação do dano e para a satisfação das obrigações dos condenados - como arrestos e seqüestros - mas apenas das cautelares pessoais, relacionadas com o réu e com o efeitos de seu comportamento para a ordem processual.
A redação anterior do Código apresentava ao magistrado uma medíocre dicotomia no campo das cautelares pessoais. O juiz não dispunha de alternativa para assegurar a ordem processual e a aplicação da lei penal a não ser a prisão preventiva. Era a prisão ou nada. Alguns magistrados ainda lançavam mão de outros instrumentos, como a retenção de passaportes ou a proibição de freqüência a determinados lugares, mas a aplicação destas cautelares inominadas sempre foi polêmica e cercada de suspeitas sobre sua legalidade.
A nova redação do Código apresenta uma gama de medidas cautelares pessoais diferentes da prisão para assegurar a ordem processual. Não são medidas originais ou estranhas ao nosso ordenamento. Parte delas já estava prevista na legislação penal pátria, seja como sanção restritiva de direitos - como a proibição de freqüentar determinados lugares - , seja como espécie peculiar de cumprimento de privação de liberdade - como a  prisão domiciliar.
Essa superação da medíocre dicotomia  - prisão ou nada -  protege de forma mais efetiva o processo, o acusado e a própria sociedade. O processo, porque surge um novo rol de medidas de resguardo à ordem dos trabalhos. O acusado, porque a prisão cautelar, ato de extrema violência, será a extrema e última opção. A sociedade, porque a redução da prisão cautelar significa o desencarceramento de cidadãos sem condenação definitiva, que eram submetidos desde o início do processo ao contato nefasto com o submundo de valores criados pela cultura da prisão. VON LISZT, em 1811, já afirmava que as prisões não corrigem, não intimidam nem põe o delinqüente fora do estado de prejudicar, e pelo contrário muitas vezes encaminham definitivamente para o crime o delinqüente novel. A situação continua a mesma dois séculos depois, e diante do fato que no Brasil cerca de 152 mil homens e mulheres são presos provisórios, as medidas de desencarcerização parecem mais do que adequadas e recomendáveis.
Passemos, então, à análise da lei
3. Prisão cautelar
A legislação processual penal brasileira passa a contar com as seguintes cautelares pessoais: prisão cautelar (art.283 e ss.), prisão domiciliar (arts.317 e 318), e outras cautelares diversas da prisão (art.319): comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, internação provisória, fiança, monitoração eletrônica.  
Comecemos pela prisão cautelar.
O primeiro aspecto que merece destaque é a consagração da ultima ratio da prisão cautelar. Ainda que a natureza excepcional desse instrumento fosse evidente, é  importante que o legislador caracterize expressamente a privação da liberdade como a ultima das medidas, aplicável apenas diante do insucesso das demais.  Por isso a redação do novo art.282, §6º, dispõe: "A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar", o que impõe ao magistrado, ao determinar a prisão preventiva, a exposição dos motivos que a justificam e das razões pela qual entendeu que todas as demais cautelares são imprestáveis para substituí-la no caso concreto; do contrário, a decisão será nula, por ausência de fundamentação completa.
Com o fim da execução provisória na seara penal (agora expressa no art.283), restam apenas três hipóteses de restrição de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação: (I) prisão temporária (Lei 7.960/89), (II) prisão em flagrante (CPP, art. 301), (III) prisão preventiva (CPP, art. 312), sem contar as conduções coercitivas, que alguns consideram prisão.
A prisão temporária não sofre alterações - ficam mantidas as regras estipuladas na Lei 7.960/89.
3.1 Prisão em flagrante
As hipóteses do flagrante também são mantidas. No entanto, diante da noticia do flagrante o juiz deverá optar por (I) relaxar a prisão, caso seja ilegal; (II) converter a prisão em flagrante em preventiva, se presentes os requisitos do art.312 do CPP, ou (III) conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. Ainda que, à primeira vista, não exista grande diferença com o sistema anterior, a nova redação deixa clara a impossibilidade da coexistência, no mesmo processo, da prisão em flagrante e da prisão preventiva. Com isso, com exceção dos casos de prisão temporária (hipóteses da Lei 7960/89) o réu privado de liberdade no processo ou está preso em virtude do flagrante - situação efêmera que dura no máximo 24 horas, até a primeira apreciação judicial - ou em prisão preventiva, o que evita a estranha, inusitada, mas recorrente situação anterior, na qual o magistrado revogava a prisão preventiva pela ausência dos requisitos do art.312 e o réu continuava preso pelo flagrante inicial.
3.2 Prisão Preventiva
As regras da prisão preventiva sofrem alterações
As hipóteses para a decretação da preventiva continuam explicitadas no art. 312, que manteve a redação anterior. Portanto, a decretação dessa cautelar tem por objetivo: (I) garantia da ordem pública, ou (II) garantia da ordem econômica, ou (III) conveniência da instrução criminal, ou (IV) assegurar a aplicação da lei penal. Presente um desses elementos é possível a preventiva, desde que (I) haja prova da existência do crime e (II) indícios suficientes de autoria.
Mas há um requisito adicional para a decretação da preventiva, inexistente na redação anterior: a demonstração da ineficácia ou da impossibilidade de aplicação de qualquer outra cautelar para alcançar os fins estabelecidos no caput do art. 312, como dispõe o art. 283, § 1.º. Assim, não basta ao magistrado apontar um dos requisitos do art.312, mas deverá também assentar as razões pelas quais entende incabíveis outras cautelares distintas.
3.3 Prisão preventiva e ordem pública
É bem verdade que a Lei poderia ter ido além, e enfrentado  um dos pontos mais polêmicos e controvertidos da prisão cautelar: a prisão preventiva para a garantia da ordem pública. A legitimidade da prisão, nestes casos, é constantemente questionada diante da falta de clareza sobre o significado, o sentido e a extensão do termo ordem pública. Gomes Filho, com propriedade, aponta que a abertura interpretativa do termo dificulta a própria motivação da decisão e afirma: "Esta tarefa (motivação da decisão da preventiva) é sobremaneira dificultada, sem dúvida, pelo emprego de expressões muito abertas pelo legislador, v.g., ordem pública e ordem econômica, cujo conteúdo fortemente emotivo pode propiciar a ruptura dos padrões de legalidade e certeza jurídica, fundamentais na matéria examinada, autorizando os juízes a formular definições puramente persuasivas, que encobrem juízos de valor".
Para alguns, a ordem pública decorre do abalo social causado pelo crime. Assim, a afetação à ordem pública estaria atrelada à gravidade do ilícito e à comoção social com ele relacionada. Tal concepção padece da falta de objetividade e de segurança, vez que faz depender a liberdade do cidadão da repercussão do crime, fato alheio ao seu comportamento e sem relação com a ordem processual.
Por outro lado, há quem sustente que a ordem pública pode abrigar situações em que a sociedade espera do Judiciário alguma reação diante do suposto delito, e que a inércia afetaria sua credibilidade. Ora, nesse caso, mais adequado ao Estado de Direito que o poder público aja institucionalmente, levando adiante eficientemente o processo, como previsto em lei, e que a reação do Judiciário seja o julgamento definitivo. A aplicação açodada e agoniada de cautelares como resposta estabanada aos apelos populares não prestigia a Justiça, mas banaliza seus instrumentos de coerção.
Outros entendem que lesão à ordem decorre da magnitude do dano causado pelo ato criminoso. Mas não parece plausível que a magnitude do dano justifique a prisão preventiva, vez que a presunção de inocência veda a fundamentação de atos de restrição de direitos sobre conduta carente de análise judicial definitiva. Também não é adequado o argumento de que a magnitude do dano revela o acesso do acusado a meios para subtração à persecução penal ou à decisão judicial Se existem indícios que fundem tal suspeita, a cautelar será admissível pelo requisito de evitar a subtração à aplicação da lei penal, mas não pela violação da ordem pública.
Ordem pública não tem relação com o ato praticado. Garantir a ordem pública é preservar a expectativa da sociedade na produção de um processo penal completo, em ordem, sem turbações. Antecipar a pena não é garantir a ordem, mas legitimar o arbítrio, como já apontou o STF em inúmeros precedentes. No entanto, alguns magistrados ainda interpretam ordem pública de forma abrangente, sob a perspectiva do ato praticado e de seus efeitos, sem atentar que esse ato praticado só gera consequencias jurídicas quando reconhecido por sentença definitiva.
Para evitar a ambigüidade do termo ordem pública, a proposta original de alteração do CPP apresentada pela "Comissão Pellegrini" apresentava o seguinte texto para o art.312: "A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa".
Tal redação definia de maneira mais consistente a natureza da prisão cautelar, apontando sua viabilidade apenas para a garantia da ordem processual, para assegurar o cumprimento da decisão judicial ou quando presentes indícios de que o acusado viesse a praticar infrações penais específicas. Ficava claro que a expressão ordem pública não significa clamor social ou repercussão midiática do crime, mas perigo de continuidade delitiva. A ordem social teria relações com o futuro e não com o passado.
No entanto, optou o legislador por alterar a redação originalmente apresentada, acatando as críticas formuladas pelo deputado federal Luiz Antonio Fleury Filho, nos seguintes termos: "A parte final do art. 312, além de omitir o tráfico, não substitui convenientemente o que foi suprimido, bastando imaginar que o autor de um crime extremamente grave, desde que não demonstre intenção de reincidir, não mais poderá ser preso, sendo irrelevante a intranqüilidade que sua conduta tenha gerado na comunidade". Porém, mesmo mantida a redação atual do Código para o art. 312, a interpretação sistemática desse dispositivo com o disposto na nova redação do art. 282, restringe a abrangência da expressão ordem pública.
Explica-se.
O inc. I do art. 282 estabelece que os requisitos gerais para a imposição de qualquer medida cautelar - incluída a prisão - , serão (I) necessidade para aplicação da lei penal, (II) necessidade para a investigação ou a instrução criminal e, (III) nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.
Tais requisitos - válidos para todas as cautelares - correspondem, grosso modo, àqueles previstos no art.312 - vigentes para a prisão preventiva. A necessidade de aplicação da lei penal e a necessidade para a investigação ou instrução criminal (art.282, I) tem evidente proximidade com a conveniência da instrução criminal e a garantia de aplicação da lei penal (art.312).
Por outro lado, não há aparente paralelo no art.282, I para os outros dois requisitos do art.312: garantia da ordem pública ou garantia da ordem econômica, da mesma forma que não existe expresso correspondente no art.312 para a previsão do art.282, I de imposição de cautelares para evitar a prática de infrações penais.
Uma análise lógica e sistemática, que evite contradições legais, impõe a complementação do requisito evitar infrações penais (requisito de qualquer cautelar - art.282, I) com o requisito garantia a ordem pública ou econômica (requisitos da preventiva - art.312). O primeiro contempla e restringe o âmbito dos segundos. Ordem pública e ordem econômica não podem ser interpretadas de qualquer forma, mas apenas à luz do art. 282, I, que faz referência a todas as cautelares, inclusive à prisão. Trata-se de interpretação autêntica, disposta no mesmo diploma legal, que não autoriza o alargamento de sua incidência.
Assim, o abalo à ordem pública e econômica é exclusivamente constatado pela presença de elementos objetivos indicativos da periculosidade do agente, sua disposição para a continuidade delitiva. Qualquer outra definição de ordem pública ou econômica seria vedada, não pela leitura isolada do art. 312 (cuja redação não é alterada pela proposta), mas justamente em face do disposto no art. 282, I válido para toda e qualquer cautelar - inclusive para a prisão
3.4 Vedações à prisão preventiva
Outra alteração importante diz respeito às restrições à prisão cautelar previstas no novo art.313. Antes, estava sujeito à prisão preventiva o acusado processado por crime doloso (I) punido com reclusão, ou (II) punido com detenção, quando vadio ou quando houvesse dúvida sobre sua identidade (na ausência de elementos para esclarecê-la), ou (III) condenado anteriormente por crime doloso, ou (IV) quando o crime envolvesse violência doméstica e familiar contra a mulher.
A nova redação do art.313 reduz o âmbito de abrangência da prisão preventiva, que não mais será aplicada aos processados por crimes punidos com prisão (reclusão ou detenção) com pena máxima inferior ou igual a quatro anos, a não ser nos casos de reincidência em crime doloso, ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo  ou pessoa com deficiência. Será ainda possível a prisão cautelar - em qualquer caso - para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, e  quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
A idéia é evitar a aplicação de cautelar processual mais gravosa que a possível pena, em caso de condenação definitiva. Delitos com pena igual ou inferior a quatro anos são usualmente punidos com penas restritivas de direitos (exceto quando cometidos com violência ou grave ameaça, ou quando o autor for reincidente e estiverem ausentes os requisitos do art. 44, § 3.º, do CP), ou iniciam o cumprimento em regime aberto (exceto nos casos de reincidência: CP, art. 33, § 2.º, c). Logo, não há sentido em determinar o recolhimento cautelar fechado durante o processo quando o réu é primário e a pena final que se quer assegurar é menos aflitiva que o próprio meio para sua garantia. Nada impede, no entanto, que outra cautelar seja imposta para resguardar a ordem processual.
3.5 Descumprimento das medidas cautelares impostas
Questão que pode surgir é sobre a medida a ser tomada diante do descumprimento das cautelares distintas da prisão. O parágrafo único do art.312 prevê que "a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares", hipótese também prevista no art.282, §4º. Assim, descumpridas as cautelares diferentes da prisão - como a proibição para freqüentar determinados lugares - é possível a decretação da prisão.
No entanto, não fica claro o que ocorrerá se o agente que descumpre as cautelares é processado por um crime com pena igual ou menor que quatro anos, nos quais não cabe a prisão preventiva por força do art. 313. A hipótese de prisão pelo descumprimento da cautelar prevista nos arts. 312, par. un. e 282, §4º legitimam a decretação de medida, ou a vedação da prisão nesses casos impede a segregação preventiva? Em análise inicial, nos parece que a vedação à prisão preventiva do art.313 impede a aplicação dessa cautelar mesmo diante do descumprimento reiterado de outras medidas, porque a controvérsia legal se resolve em prol da liberdade. Ademais, quisesse o legislador permitir a prisão nesses casos, o faria expressamente, como o faz o projeto de alteração completa do CPP que tramita no Congresso Nacional (PLS 156/09), dispondo que "não incidem as vedações" de prisão cautelar "na hipótese de descumprimento injustificado de outras medidas cautelares pessoais”. A inexistência dessa ressalva na Lei aprovada aponta para a impossibilidade de determinar a prisão preventiva nos casos previstos no art.313, mesmo que o réu descumpra as demais cautelares, sem prejuízo das sanções autônomas impostas à desobediência à ordem judicial.
4.      Outras cautelares pessoais
As outras cautelares previstas no Código são a prisão domiciliar (Capitulo IV, arts.317 e 318) e cautelares distintas da prisão (Capitulo V, art.319 e ss.). As medidas propostas não foram elencadas de forma graduada, ou em ordem de proporcionalidade. A opção por determinada restrição, no caso concreto, dependerá da apreciação judicial de sua necessidade, da proporcionalidade da restrição, e será sempre motivada, nos termos do art. 282 do CPP.
Dentre as novidades nas cautelares, deve ser destacara a reabilitação da fiança, que passa a ser cautelar autônoma e exigível mesmo na ausência dos requisitos para a prisão preventiva, superando-se as dificuldades de interpretação advindas do antigo parágrafo único do art.310. Também merece atenção o monitoramento eletrônico, que deve ser aplicado sempre em conjunto com outra cautelar, vez que o simples controle dos movimentos do réu não tem utilidade alguma se desacompanhado de outra restrição cumulativa, como, por exemplo, a proibição de freqüentar determinados lugares ou a prisão domiciliar.

4.1 Cautelares distintas da prisão e cabimento de  habeas corpus
Sem duvida será objeto de discussão o cabimento de habeas corpus para questionar a decretação das cautelates distintas da prisão, vez que o remédio se destina a salvaguardar a liberdade de locomoção. Uma vez que o descumprimento das cautelares enseja sua substituição pela prisão preventiva (CPP art.282, §4º), é possivel o manejo do habeas corpus para questionar sua determinação - em qualquer cautelar - mesmo naquelas que não afetam diretamente a liberdade de locomoção. Da mesma forma que é viável o uso do habeas corpus para questionar penas restritivas de direitos, mesmo a prestação pecuniária, que não tem imediato impacto na liberdade de locomoção, deve-se admitir o uso do remédio para questionar as cautelares distintas da prisão, diante da possibilidade de conversão em privação de liberdade pelo descumprimento da medida. As únicas hipóteses nas quais parece inviável o habeas corpus são aquelas decorrentes do art.313, pois aqui não existe a hipótese de conversão em privação de liberdade, mesmo diante do descumprimento das cautelares aplicadas.
4.2 Cautelares e detração
Por fim, há um ponto que exige reflexão: a ausência de previsão da detração diante da aplicação de medidas cautelares distintas da prisão. O Código Penal dispõe, no art.42, que será computado, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro - a detração. Se o réu aguardou preso preventivamente o andar do processo, é natural que esse tempo seja descontado da pena final, ainda que a qualidade e natureza das prisões cautelar e definitiva seja distinta. A supressão do direito de locomoção para salvaguardar o processo será compensado na pena final.
Ocorre que não há previsão legal da detração nos processos em que a cautelar aplicada é distinta da prisão. Para os casos em que o réu for submetido, por exemplo, à prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico durante a instrução, a lei não prevê desconto na pena final, o que parece injusto. Se a detração da prisão tem por fundamento o principio da equidade e a vedação ao bis in idem, deve o instituto ser estendido a qualquer hipótese de intervenção do Estado em direitos do cidadão, seja a liberdade de locomoção, seja outro qualquer.
O projeto de alteração do Código de Processo Penal (PLS 156), atualmente em discussão no Congresso Nacional, prevê que o tempo de recolhimento domiciliar será computado no cumprimento da pena privativa de liberdade, na hipótese de fixação inicial do regime aberto na sentença (art.607) e que substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nesta será computado o tempo de duração das medidas cautelares previstas pela proposta (parágrafo único).
Da mesma forma, o Código Penal português prevê o desconto total do tempo de pena de prisão caso o réu tenha sofrido, no curso do processo, detenção, prisão preventiva, ou obrigação de permanência na habitação (art.80º, 1, grifos nossos). Também o Código Penal espanhol estabelece que se abonarán, en su totalidad, para el cumplimiento de la pena impuesta, las privaciones de derechos acordadas cautelarmente (seccion 6ª, art.58, 2) e que cuando las medidas cautelares sufridas y la pena impuesta sean de distinta naturaleza, el Juez o Tribunal ordenará que se tenga por ejecutada la pena impuesta en aquella parte que estime compensada (art.59, sem grifos).
Enfim, os textos citados revelam a adequação da previsão da detração para cautelares distintas da prisão, a sugerir a revisão pontual do Código Penal para a adequação da detração à essa nova realidade legislativa.
No entanto, a ausência de menção à detração para cautelares distintas da prisão no ordenamento não impede sua aplicação pelo juiz, que por analogia pode beneficiar o réu com uma interpretação amplie a abrangência do instituto para além da prisão. Nos parece possível, por exemplo, descontar o tempo passado em prisão domiciliar da eventual pena de prisão definitiva em regime aberto, ou o período processual no qual o réu foi proibido de freqüentar determinados lugares da pena restritiva da mesma natureza, se essa for a condenação. Caso a cautelar e a pena tenham naturezas distintas - como na hipótese da cautelar de prisão domiciliar e a pena de prisão em regime fechado - o tempo descontado não poderá ser o mesmo, mas é possível construir pela jurisprudência uma formula que permita deduzir proporcionalmente - com base na razoabilidade - algo da sanção para detrair a cautelar aplicada.
5.      Conclusão
A par de criticas pontuais, a nova lei é bem vinda. Como qualquer novo ato, ainda será debatida e revolvida pelos operadores do direito e pela academia sob todas as perspectivas. No entanto, sua aprovação e sanção integral demonstra como a articulação entre Poderes e a racionalidade podem produzir normas que contribuam para um processo penal mais eficaz e civilizado, que contribua para a segurança pública e, ao mesmo tempo, respeite a dignidade humana e os princípios constitucionais dela decorrentes.
Importa destacar, apenas, que a consolidação de uma cultura de substituição das prisões processuais não depende apenas da mudança do texto legal. As alterações legislativas são importantes, representam um marco fundamental, mas sobre elas se faz necessária a reformulação de velhos valores e do comodismo das tradições cristalizadas. O desenvolvimento de uma nova política criminal processual depende da coragem de magistrados, promotores, advogados, defensores, enfim, de todos os operadores do direito, para reconhecer e aplicar medidas alternativas, que fujam do terrível cotidiano das prisões cautelares, desta monotemática solução de preservação da ordem processual, e apontem para a valorização da dignidade, afetando o menos possível o cidadão sobre o qual não paira o peso da condenação criminal transitada em julgado.


Sobre o tema, ensina Gomes Filho: "Disso resulta, num considerável número de situações, um risco para a própria obtenção e efetividade do provimento a ser alcançado; este seria, como lembrou Calamandrei, um remédio longamente elaborado para um doente já morto (A motivação das decisões penais, p. 218.
LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão. Tomo I. Trad. Jose Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: Briguiet, 1899, p.113
 Dados de dezembro de 2009, disponibilizados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no Sistema Nacional de Informação Penitenciária (www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.hhtml)
Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação... cit., p. 225.
Por todos.  HC 92.737 e HC 91.025
Voto em separado apresentado à CCJ na Câmara dos Deputados em 2002, disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=26558.
Art. 557. Não cabe prisão preventiva: I - nos crimes culposos; II - nos crimes dolosos cujo limite máximo  da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou inferior a 3 (três) anos, exceto se cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa; 104 III - se o agente estiver acometido de doença gravíssima, de tal modo que o seu estado de saúde seja incompatível com a prisão preventiva ou exija tratamento permanente em local diverso.  (...)
§ 2º Não incidem as vedações  previstas nos incisos I e II do  caput deste artigo na
hipótese: I - de descumprimento injustificado de outras medidas cautelares pessoais, sem prejuízo
da verificação dos demais pressupostos autorizadores da prisão preventiva; II - em que a prisão preventiva é imposta como garantia da aplicação penal, nos termos do caput do art. 150.
O STF entendeu cabível habeas corpus para questionar pena de prestação pecuniária devida à possibilidade de sua conversão em prisão pelo não cumprimento. HC 86.619/SC, Rel. Min. Sepulveda Pertence, j.27.09.05. Em sentido contrário, defendendo a restrição do habeas corpus apenas para cautelares penais que restrinjam diretamente a liberdade de locomoção,, OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Atualização do Processo penal. Separata juntada ais exemplares da 14ª edição dos Comentários ao Código de Processo Penal. Belo Horizonte, Lumen, 2011, p.07
FRANCO, Alberto Silva, BELLOQUE, Juliana. Comentários aos arts.41 a 60 da obra Codigo Penal e sua interpretação, coord. FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui, 8ª Ed.. São Paulo: RT, 2007, p.277.
Disponivel em http://www.juareztavares.com/textos/codigoportugues.pdf acessado em 12.05.2011
Disponivel em  http://www.juareztavares.com/textos/codigoespanhol.pdf acessado em 12.05.2011.

 BIBLIOGRAFIA
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy . Direito Processual Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. v. II. 440 p.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Medidas cautelares. Projeto de Lei 111/08. In: Maria Thereza Rocha de Assis Moura. (Org.). As reformas do processo penal. 1 ed. São Pauli: RT, 2008, v. , p. 448-501
Fernandes, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 2000.
Ferrari, Eduardo Reale. Código de Processo Penal - Comentários aos projetos de reforma legislativa. Campinas: Millennium, 2003.
Gomes Filho, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001.
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2009.
LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão. Tomo I. Trad. Jose Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: Briguiet, 1899, p.113MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. A reforma do processo penal brasileiro. Ministério da Justiça: Brasilia , 2007.
MORAES, Maurício Zanoide de . O direito constitucional ao recurso em face dos arts. 594 e 595, do CPP : a prisão processual prevista no art. 594, assim como a fuga do réu apelante não são óbices ao conhecimento da apelação (jurisprudência comentada). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 5, n. 19, p. 315-322, 1997
Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: RT, 2008.
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Atualização do Processo penal. Separata juntada ais exemplares da 14ª edição dos Comentários ao Código de Processo Penal. Belo Horizonte, Lumen, 2011, p.06Prado, Geraldo. Sistema acusatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. 1ª Ed. Buenos Aires: Del Puerto, 2003
Pierpaolo Cruz Bottini é Advogado, professor-doutor de direito penal da USP, coordenador regional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, membro da diretoria da Associaçao Internacional de Direito Penal - Seção Brasil. Foi Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.
                                Informações extraídas do Link:
http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/541437/?noticia=MEDIDAS+CAUTELARES+PENAIS+LEI+1240311+NOVAS+REGRAS+PARA+A+PRISAO+PREVENTIVA+E+OUTRAS+POLEMICAS

terça-feira, 22 de novembro de 2011

STF


Terça-feira, 22 de novembro de 2011
Há repercussão geral em RE que discute indenização a doméstica grávida demitida
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral de matéria constitucional contida no Recurso Extraordinário (RE) 629053. Nele, discute-se a necessidade, ou não, de o patrão, ao romper o vínculo empregatício, ter conhecimento da gravidez da empregada para ter a obrigação de indenizá-la.
Consta dos autos que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao julgar um recurso de revista, assentou que o artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), “protege a gestante da despedida arbitrária de modo objetivo, não impondo quaisquer requisitos ou condições à proteção da empregada grávida, no período compreendido entre a confirmação da gestação até cinco meses após o parto”. Para o TST, a circunstância de o patrão desconhecer o estado gravídico da empregada, salvo previsão contrária em acordo coletivo, não afasta o pagamento de indenização decorrente da estabilidade.
No RE, a autora aponta a violação ao artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT. Sustenta que o termo inicial da estabilidade é a confirmação da gravidez, isto é, a demonstração inequívoca e objetiva de sua existência, por meio de atestado ou laudo médico. Assevera que “descabe a correspondência entre a palavra confirmação e a concepção propriamente dita”. Salienta que a proteção do hipossuficiente, pretendida pela justiça laboral, encontra limitação no direito positivo.
Quanto ao requisito da repercussão geral, argumenta a existência da relevância social e jurídica da questão, devido à necessidade de o Supremo definir o significado da expressão confirmação da gravidez, contida no dispositivo do ADCT em questão.
Para o ministro Marco Aurélio, relator da matéria, o tema veiculado no recurso extraordinário merece ser analisado pelo Supremo, a fim de que seja definido o alcance de texto constitucional. “Diz respeito à necessidade, ou não, de o tomador dos serviços ter conhecimento da gravidez para que se possa concluir, na hipótese de cessação do vínculo por iniciativa dele próprio, pela obrigação de indenizar, dada a estabilidade prevista na alínea “b”, do inciso II, do artigo 10, da Constituição Federal”, afirmou.
Segundo ele, “o preceito remete à confirmação da gravidez e outro sentido não tem esta exigência senão viabilizar o conhecimento pelo empregador. Tenha-se presente que a indenização pressupõe, sempre, culpa ou dolo”. O relator salientou que o tema está presente em inúmeros processos e envolve o alcance do artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT da Constituição Federal de 1988.
Ele lembrou que o tribunal de origem – apesar de o tomador dos serviços não ter conhecimento da gravidez quando rompeu o vínculo empregatício – concluiu que este está obrigado a indenizar, tendo em vista a garantia prevista no dispositivo citado. 
O Ministério Público Federal, em parecer assinado pelo subprocurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, manifestou-se pela negativa de seguimento do recurso extraordinário. Afirma ter o Supremo entendimento consolidado no sentido de que o termo inicial da estabilidade provisória depende da confirmação objetiva da gravidez, independentemente de prévia comunicação ao empregador.
EC/CG
Processos relacionados
RE 629053
                         Informações Extraídas do Link:  

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Noções de Antropologia Jurídica



Antropologia política: esforço corporativo do poder nas sociedades primitivas e civilizadas

Desde cedo o estudante de Direito vai se acostumando com idéia de o homem ser um animal gregário por excelência e que para poder viver em sociedade necessita de regras, papel esse desempenhado pelo Direito se deu historicamente à vinculação não por demais problematizada, afinal, para se operar um ordenamento jurídico posto, a história não serve de imediato. Apesar da dureza com que os profissionais do Direito irão sentir essa afirmação, não se pode dizer que o estado de fato não existe,mas como é conhecido por suas conseqüências, ou melhor, pelo resultado de ações que são praticadas por homens, a que eles são imputadas, tornando uma evidência ou dogma, especialmente para as ciências jurídicas e políticas, falando com bastante propriedade nas “razões do estado”. Um dos primeiros mitos a ser pensado, do ponto de vista da antropologia, seja o de sua imprescindibilidade social ou ainda que o estado seja sem sombra de dúvida um marco da evolução e do progresso da humanidade e um dos grandes fatores responsáveis pela diferenciação entre sociedades avançadas (ou mais complexas) e civilizações daquelas consideradas simples e primitivas.

A sociedade sem estado: caracterização “política” das sociedades igualitárias ( para se repensar a concepção sociologia de Estado)

Parte do pressuposto de que a elas falta o Estado, nesse sentido, o contato que os europeus tiveram com os povos nativos não foi reflexivo. De forma alguma desconfiaram  do etnocentrismo de sua abordagem, impondo e sobrepondo sua cultura em relação aos colonizados. Mesmo passados longos anos desse processo, os seus efeitos ainda podem ser sentidos, tanto em relação ao tratamento institucional dispensado aos povos autóctones remanescentes, bem como quanto á organização social forjada a partir desse processo: como se dá a distribuição dos benefícios civilizacionais nas sociedades do Novo Mundo? Como se dá a construção social da cidadania. Num analise disjuntiva dos planos da cultura e da civilização , nota-se com bastante nitidez que os nativos vivam numa cultura de subsistência porque assim tencionavam, esse modo de viver e de se relacionar  com a terra estava condizente com o seu projeto cultural de viver bem, com prazer e ter tempo para o ócio, de fato não precisavam e não queriam trabalhar para produzir excesso, acumular e gerar riquezas e assim , do ponto de vista de uma antropologia de linhas Marxistas.

As sociedades com Estado: o engodo do contrato social como submissão livremente pactuada (para se repensar a concepção contratualista do Estado)
Longe de uma idílica da vida nativa, risco que sempre se está sujeito pelo mecanismo de generalização do qual nossa sobrevivência como espécie depende. Assim a reprodução do princípio geral do direito contratual pacta sunt servanda (os acordos devem ser cumpridos) é dissonante na medida em que não tem nenhum sentido para essa cultura e seus padrões de civilidade, pois obrigar a alguém, ainda que seja decorrente de um vínculo contratual, a cumprir uma prestação que tenha se tornado onerosa ou prejudicial a ela, ou simplesmente não esteja de mais acordo com a sua vontade atual. Ora quando se questiona a obsolescência da lei, devendo esta ser substituída pelo contrato, pensa –se não na função de estabilizar de sentido da conduta social, que em todo caso, aqui é sentida de algum modo como obstáculo de um moralismo anacrônico ainda presente na modernidade canônica, nos flancos pós-modernidade da ação humana dotada de racionalidade , a função que e propõe o contrato é solidária ao sentido possível da existência humana na “Matrix” capitalista: o cálculo de interesse esse é o sentido único, um verdadeiro dogma econômico-existencial. Progressivamente, o contrato desvincula-se da esfera da obrigação e vincula-se à do interesse. Um dos marcos desse rearranjo macroeconômico no âmbito do sistema jurídico, além da própria transformação da profissão de advogado em “pura” atividade econômica, com a substituição dos escritórios tradicionais em empresas de prestação de serviços e com metas de produtividade, foi, no âmbito da teoria do Direito, a corrente denominada Law and Economics de origem norte-americana. E é assim que o jargão do profissional do direito, resultado da cultura jurídica tradicional, será paulatinamente, adaptado (e quem sabe substituído) pelo vocabulário corporativo, evidenciado, desse modo, uma mudança na cultura jurídica. A sobreposição de códigos comunicativos, para os adeptos da teoria dos sistemas sociais, não deixa dúvida: o Direito é instrumento da Economia e essa é a política com a qual as Corporações negociam com o estado,sobrepondo muitas vezes, ao disforme, conflitivo e repleto de opacidade, interesse público, os interesses individuais,cuja reunião no mercado predispõe a única forma possível de arranjo em conjunto desses interesses: o público é a soma do privado.

O papel mínimo do Estado e a “refeudalização” do vínculo contratual (para se repensar a concepção jurídica de Estado)

Essa mesma arquitetura jurídico-econômica firmou-se numa estrutura e num contexto bem mais amplo , em que dimensões de Direitos fundamentais se sucederem atendendo aos reclamos sociais,conferindo uma proteção jurídica social, difusa e coletiva e também dependente, do mesmo modo, de um estado cada vez mais atuante. Essa abstração do vinculo corresponde, na verdade, a uma manifestação setorizada de um fenômeno cultural que processa em larga escala. Hodiernamente, o processo de globalização da vertente neoliberalista tem propugnado a dissolução de vínculos entre os seres humanos e a denominada multiplicidade de opções. Rememorando a tendência de analise econômica do Direito, apoiada no conceito de homo economicus.
Tudo isso atende a um imperativo único: sustentar o cálculo racional de interesses do homo economicus, o ápice de promessa de felicidade na escala evolutiva civilizacional: o “mercadocentrismo” uma manifestação do etnocentrismo.







* Na trama política de organizações transnacionais, instituição e parlamentos, a política de hoje é uma estratégia que circula para além das esferas nacionais, pelos organismos internacionais e multinacionais. “Manoel Matusalém Sousa” OBRA: SÍNDROME DA PÓS-MODERNIDADE PENSANDO O NOSSO TEMPO Pág. 36

domingo, 20 de novembro de 2011

STJ decide



DECISÃO

Quarta Turma admite casamento entre pessoas do mesmo sexo

Em decisão inédita, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, proveu recurso de duas mulheres que pediam para ser habilitadas ao casamento civil. Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma concluiu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento.

O julgamento estava interrompido devido ao pedido de vista do ministro Marco Buzzi. Na sessão desta terça-feira (25), o ministro acompanhou o voto do relator, que reconheceu a possibilidade de habilitação de pessoas do mesmo sexo para o casamento
civil. Para o relator, o legislador poderia, se quisesse, ter utilizado expressão restritiva, de modo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo ficasse definitivamente excluído da abrangência legal, o que não ocorreu.

“Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento”, concluiu Salomão.

Em seu voto-vista, o ministro Marco Buzzi destacou que a união homoafetiva é reconhecida como família. Se o fundamento de existência das normas de família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, e se o casamento é o principal instrumento para essa opção, seria despropositado concluir que esse elemento não pode alcançar os casais homoafetivos. Segundo ele, tolerância e preconceito não se mostram admissíveis no atual estágio do desenvolvimento humano.

Divergência

Os ministros Antonio Carlos Ferreira e Isabel Gallotti já haviam votado com o relator na sessão do dia 20, quando o julgamento começou. O ministro Raul Araújo, que também acompanhou o relator na sessão da semana passada, retificou seu voto. Segundo ele, o caso envolve interpretação da Constituição Federal e, portanto, seria de competência do STF. Para o ministro, o reconhecimento à união homoafetiva dos mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher, da forma como já decidido pelo STF, não alcança o instituto do casamento. Por isso, ele não conheceu do recurso e ficou vencido.

Raul Araújo defendeu – em apoio à proposta de Marco Buzzi – que o julgamento do recurso fosse transferido para a Segunda Seção do STJ, que reúne as duas Turmas responsáveis pelas matérias de direito privado, como forma de evitar a possibilidade de futuras decisões divergentes sobre o tema no Tribunal. Segundo o ministro, a questão tem forte impacto na vida íntima de grande número de pessoas e a preocupação com a “segurança jurídica” justificaria a cautela de afetar o caso para a Segunda Seção. A proposta, porém, foi rejeitada por três a dois.

O recurso foi interposto por duas cidadãs residentes no Rio Grande do Sul, que já vivem em união estável e tiveram o pedido de habilitação para o casamento
negado em primeira e segunda instância. A decisão do tribunal gaúcho afirmou não haver possibilidade jurídica para o pedido, pois só o Poder Legislativo teria competência para insituir o casamento homoafetivo. No recurso especial dirigido ao STJ, elas sustentaram não existir impedimento no ordenamento jurídico para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Afirmaram, também, que deveria ser aplicada ao caso a regra de direito privado segundo a qual é permitido o que não é expressamente proibido.

sábado, 19 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

Redução da maioridade penal.


             SISTEMA JURÍDICO VIGENTE

Segundo o sistema jurídico vigente, a maioridade penal se dá aos 18 anos de idade. Essa norma encontra-se inscrita em três Diplomas Legais: 1) artigo 27 do Código Penal; 2) artigo 104 caput do Estatuto da Criança e do Adolescente; 3) e artigo 228 da Constituição Federal.
O Legislador manteve-se fiel ao princípio de que a pessoa menor de 18 anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, erigindo, inclusive, o dogma constitucional (CF, art. 228). Adotou-se o sistema biológico, em que é considerada tão-somente a idade do agente, independentemente da sua capacidade psíquica.
Mas essa não foi uma constante. O Código Penal de 1969 (Decreto-lei nº 1.004/69), que não chegou a viger, embora já estivesse em período de vacatio legis [1], possibilitava a imposição de sanção penal a menor entre 16 e 18 anos, se este revelasse suficiente desenvolvimento psíquico, bastante para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aqui, o sistema adotado foi o biopsicológico, ou seja, o de submissão da pessoa entre 16 e 18 anos a avaliação psicológica para saber se, ao tempo do fato, possuía discernimento sobre a ilicitude de seus atos.
À época, houve insurgência quanto à possibilidade da redução da maioridade penal. Juristas e outros estudiosos combateram veementemente essa inovação não implementada. Justamente em face das críticas, o Código Penal de 1969 não entrou em vigor, e a reforma de 1984 (Lei nº 7.209/84) manteve a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos.
Na exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, o então Ministro da Justiça Ibrahim Abi - Ackel justificou a opção legislativa aduzindo que "De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária".

O eminente Ministro se referia ao Código de Menores (Lei nº 6.697/79), que esteve em vigência por onze anos. Não obstante, a delinqüência junto a menores de dezoito anos, ao invés de diminuir, aumentou.
Adveio o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), substituindo o antigo Código de Menores. Pensava-se ser esta Lei capaz de coibir a prática de condutas criminosas por menores de 18 anos [3]. Tal, entretanto, igualmente não se verificou.
Em verdade, hoje se constata evolução crescente do número de adolescentes na prática de atitudes criminosas, os quais já não mais se limitam ao cometimento de pequenos delitos. A imprensa noticia com freqüência o envolvimento de menores em crimes hediondos, como homicídio qualificado, tráfico de entorpecentes, estupro, extorsão mediante seqüestro, latrocínio etc.
Surge, então, novamente, o debate sobre a questão da redução da maioridade penal.
É inolvidável, o jovem deste novo milênio não é aquele ingênuo de meados do Século XX. Nos últimos cinqüenta anos, assistiu-se a evolução jamais vista em outro período da humanidade. As transformações foram de ordem política, tecno-científica, social e econômica. Caiu o muro de Berlim, surgiu o fenômeno da globalização, arrefeceram-se as correntes ideológicas. No campo do conhecimento científico, houve a conquista do espaço, o domínio da engenharia genética, a expansão da informática, a popularização da internet, só para exemplificar.
Atualmente, o acesso à informação é quase compulsivo. Novas tecnologias fazem parte do dia-a-dia das pessoas, inclusive dos jovens (telefone celular, internet, correio eletrônico, rádio, tv aberta e fechada, etc). São tantos os canais de comunicação, que se torna impossível manter-se ilhado, alheio aos acontecimentos. Não há espaço para a ingenuidade, e com maior razão no que concerne aos adolescentes. Aliás, estes estão mais afetos a essas inovações. Em algumas situações, há inversão da ordem natural. É comum, por exemplo, filhos orientarem os pais sobre informática.
Nesse contexto, o menor entre 16 e 18 anos precisa ser encarado como pessoa capaz de entender as conseqüências de seus atos, vale dizer, deve se submeter às sanções de ordem penal. Como exposto, o jovem nessa faixa etária possui plena capacidade de discernimento. Sabe e consegue determinar-se de acordo com esse entendimento.
Veja, quando se fala em maturidade para efeitos penais, não se busca inteligência destacada, capacidade de tomar decisões complexas, mas tão-somente a formação mínima de valores humanos que uma pessoa deve ser dotada, podendo discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o que constitui crime e a atipicidade (livre-arbítrio). É a imputabilidade, que se faz presente quando o sujeito compreende a ilicitude de sua conduta e age de acordo com esse entendimento. [4]
Para esse grau de compreensão, bastam inteligência e amadurecimento medianos, tranqüilamente verificáveis nos adolescentes entre 16 e 18 anos. Ora, será que o menor de dezoito e maior de dezesseis anos não sabe o que é matar alguém, subtrair coisa alheia móvel, seqüestrar pessoa com o fim de obter qualquer vantagem,como condição ou preço do resgate? Será que não é capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento? A realidade hodierna diz que sim.
Indiscutível, pois, o desenvolvimento psíquico-intelectual do adolescente nessa faixa etária. Bem por isso, tem sido comum o ingresso de menores de 18 anos em universidades, nos mais variados cursos. E mais, jovens que sequer concluíram o segundo grau têm conseguido se matricular em cursos de nível superior, graças a liminares. Como, então, considerar essas pessoas inimputáveis?
O próprio legislador-constituinte reconhece aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos lucidez e discernimento na tomada de decisões ao lhes conferir capacidade eleitoral ativa, conforme expressa previsão constante no artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Magna Carta. Segundo a Constituição da República, homens e mulheres entre 16 e 18 anos estão aptos a votar em candidatos para qualquer cargo público eletivo (vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e Presidente da República). Cuida-se, evidentemente, de responsabilidade só atribuída a quem possua elevado grau de maturidade. Esta é a conclusão lógica diante das implicações do voto no processo político e no destino da nação. A propósito, o Professor e jusfilósofo MIGUEL REALE, comentando a necessidade de reduzir a maioridade penal, já em 1990 escreveu [5]:
No Brasil, especialmente, há um outro motivo determinante, que é a extensão do direito ao voto, embora facultativo aos menores entre dezesseis e dezoito anos, como decidiu a Assembléia Nacional Constituinte para gáudio de ilustre senador que sempre cultiva o seu ‘progressismo’... Aliás, não se compreende que possa exercer o direito de voto quem, nos termos da lei vigente, não seria imputável pela prática de delito eleitoral.
Dessa forma, se de um lado a Constituição Federal considera o menor de dezoito e maior de dezesseis anos inimputável (artigo 228), por outro, o permite exercer o direito ao voto (artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c). Distingue o Texto Supremo a maioridade penal, da maioridade eleitoral [6].
Embora ambos os dispositivos emanem do mesmo Poder Constituinte, verifica-se certa antinomia principiológica entre essas normas. Como um jovem pode ter discernimento para votar, v.g., no Presidente da República, mas não o tem em relação à pratica de crimes, ainda que hediondos? Vale dizer, o menor conhece toda importância da escolha dos integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo, mas não tem consciência das condutas delituosas, por isso é inimputável. O que é mais complexo? Evidente, o processo eleitoral.
Impõe-se sim uma revisão do preceito constitucional atinente à maioridade penal. O debate é atual, pois a violência e o envolvimento de menores de dezoito anos tem aumentado. Há respeitáveis vozes defendendo a diminuição da maioridade penal, entretanto grande parte dessa corrente a condiciona à comprovação do desenvolvimento intelectual e emocional do adolescente entre 16 e 18 anos [7]. Adoção do sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), onde as pessoas nessa faixa etária necessariamente serão submetidas a avaliação psiquiátrica e psicológica para aferir o seu grau de amadurecimento.
O grande inconveniente dessa opção está na necessidade de perícia psicológica e psiquiátrica em todo menor entre 16 e 18 anos que venha a cometer infração penal.
Como é cediço, inexiste em nosso País estrutura organizacional para a realização desses exames. Em cada crime ou contravenção praticada por adolescente nessa faixa etária, ter-se-ia de providenciar perícia médico-psicológica para apurar a imputabilidade ou inimputabilidade, mesmo em se cuidando de delito de bagatela. Ora, isso atrasaria sobremaneira a instrução do processo, congestionaria a rede pública de saúde e obstaria por completo a entrega da prestação jurisdicional. De salientar que em grande parte das comarcas do interior do Brasil não há profissionais habilitados para tal. Haveria, então, necessidade de transportar os menores para centro maior, aumentando os riscos de resgate, fuga, além de considerável ônus para o Estado.
Quando se tentou implantar sistema semelhante em 1969, por ocasião da edição do Decreto-lei nº 1.004/69[8], o grande argumento contrário foi exatamente a dificuldade para se aferir a capacidade de culpa na faixa dos 16 a 18 anos, mediante perícia sofisticada e de difícil praticabilidade.
Pensamos que o mais justo e socialmente adequado para os dias atuais é a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, sem necessidade de avaliação do grau de desenvolvimento psíquico-emocional do menor. Adoção do critério puramente biológico, porém a partir do décimo sexto aniversário do adolescente. Uma vez completados 16 anos de idade, a pessoa sujeitar-se-ia às regras do Código Penal e leis esparsas pertinentes. Não haveria qualquer subjetivismo. A fim de corroborar esse ponto de vista, novamente trago à colação a abalizada lição do mestre MIGUEL REALE [9], verbis:
Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo.
É incompreensível a resistência quanto ao rebaixamento da maioridade penal. O discurso pela manutenção da regra atual pode ser politicamente defensável e até romântico, porém completamente divorciado da realidade, se considerarmos o nível de amadurecimento do jovem entre 16 e 18 anos de idade e, ainda, espantosa violência com que costumam agir. Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos (p. ex: Argentina, Espanha, Bélgica e Israel); em outros, aos 15 anos (Índia, Egito, Síria, Honduras, Guatemala, Paraguai, Líbano); na Alemanha e Haiti, aos 14 anos. E por incrível que pareça, na Inglaterra a pessoa é considerada imputável a partir dos 10 anos.
Não podemos assistir de braços cruzados a escalada de violência, onde menores de 18 anos praticam os mais hediondos crimes e já integram organizações delituosas, sendo inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe-se seja considerado imputável qualquer homem ou mulher a partir dos dezesseis anos de idade. 
                                     A Imprensa Divulga
A imprensa tem divulgado, exaustivamente, a questão sob o impacto de algumas infrações penais gravíssimas praticadas ultimamente por adolescente. Algumas pessoas entrevistadas pedem a redução para os dezesseis anos, sem restrições; outros entendem que se deve realizar uma avaliação psicológica para saber qual o grau de compreensão do infrator sobre a gravidade do ato cometido por ele.
De início, cabe ressaltar que a C.F. em vigor, no art. 228 dispõe que são plenamente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos ás normas da legislação especial.
Vale ressaltar que há juristas defensores da impossibilidade de reforma constitucional, neste aspecto, pois entendem que se trata de direito individual que é imune á mudança por Emenda Constitucional, nos termos do art. 60, §4º, inciso IV. Este é o primeiro obstáculo para a mudança do art. 228 da C.F., pois, para estes juristas trata-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por nova Assembléia Constituinte.
Vamos partir, agora, da hipótese de ser possível a Emenda Constitucional no caso e analisemos o mérito da questão: há ou não a necessidade de diminuir a maioridade penal?
Tratando-se de menores de dezoito anos, a legislação Brasileira há muito, considera que a pessoa abaixo dessa faixa etária não tem o desenvolvimento capaz de compreender exatamente a natureza da sua conduta, não estando apta a ser condenada a uma pena, mas precisa, embora, em casos graves, de internação em estabelecimento adequado a formá-lo para a vida social, ao invés de ser ressocializado, o que ocorre com o maior que tem a noção precisa dos seus  atos, sabe efetivamente que atentou contra os valores sociais e, por isso, precisa ser reeducado e, não, educado para conviver em sociedade.
Sobre o adolescente, vejamos o seguinte trecho:
“É comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de instabilidade... Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo... As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia...” (Educar Sem Culpa, Tânia Zagury, pág. 82).
Somem-se a isso, as influências negativas sobre muitos adolescentes do meio familiar e ou social. A autodeterminação é neles incompleta, por força de fatores endógenos e é influenciado pelos fatores ambientais. O psiquiatra Jorge Gaba afirma que:
“Na fase que vai dos 14 até os 21 anos, acontece a reorganização dos neurônios que se manifesta justamente nas áreas ligadas ás emoções, ao discernimento e autocontrole” (Jornal da Comércio, Família, pág. 5, ed. 23/11/03).
Ora, se até os 21 anos ocorrem tais fenômenos, tem-se que considerar sua mais profunda incidência antes dos 18 anos. Aliás, o Código Penal pune a pessoa com 18 anos até os 21 com pena atenuada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a internação do adolesceste que constitui medida privativa de liberdade quando se trata de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração na prática de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificadavel da medida anteriormente imposta.
Ao contrário, portanto, do que muitas pessoas pensam, não há no Estatuto um sistema de impunidade. Por outro lado, a internação pode ser aplicada provisoriamente enquanto o procedimento de apuração do ato infracional se realiza (equivalente á prisão em flagrante, ou preventiva aplicável aos adultos).
É preciso, porém, que se observem os princípios do art. 121 e 122, §1º, do Estatuto: a medida deve ser reavaliada, ao menos, a cada semestre; não pode exceder três anos ou persistir quando o infrator completar 21 anos de idade. Terminado o procedimento, o juiz aplicará a medida adequada ou liberará o jovem.
É ilusório pensar que a simples redução da maioridade penal é uma panacéia, pois os presídios para adultos estão superlotados além de não terem, na quase totalidade, condições de recuperar alguém. Some-se o fato de o menor, ao conviver com criminosos adultos, receber forte carga negativa de influência quando ainda está em processo de amadurecimento emocional.
Em pesquisa coordenada por Mário Volpi, consultor da UNICEF no Brasil, observou-se que, entre 1995 a 1997, dos adolescentes internados houve 14%autores de homicídio e, 4, 5% por latrocínio, dados que revelam não ser a situação alarmante a ponto de se clamar pela redução da maioridade penal (adolescente e ato infracional, João Batista Saraiva, pág. 166, ed. 1999). É preciso, sim, o Estado e a sociedade se unirem para pôr em prática uma política preventiva do aumento destas infrações, dando assistência adequada ás crianças para que não sejam futuros adolescentes infratores, dar aos adolescentes condições de não se envolverem em infrações e oferecer aos infratores os meios necessários á sua reinserção na sociedade.
Para tanto, p.ex., o Estatuto prevê os Conselhos Tutelares compostos por membros da comunidade, eleitos para mandato de três anos, o qual promove a execução de suas decisões, podendo: requisitar serviços públicos nas áreas de educação, saúde, serviço social, trabalho e segurança, assessorar o Executivo na elaboração da proposta orçamentária na área da criança e da adolescente etc.
Os conselhos são municipais, descentralizadas, portanto, o que os aproxima da comunidade. Cabe-lhe conscientizar a população para auxiliá-la por meio de voluntários. É preciso, ainda fundar ONGS para atuar nesta área, inclusive para colaborar com o M.P. e a Magistratura para atuarem preventivamente ou na aplicação da liberdade assistida (art.118, §§1º e 2º do Estatuto).
Quantos aos adolescentes que apresentam enfermidade mental, o Estatuto prevê a requisição judicial de tratamento médico em regime hospitalar ou ambulatorial (art. 101, V e 112, §3°), não se podendo alegar que pessoas portadoras de distúrbios psíquicos ficarão á solta, após a internação colocando em risco a sociedade.
Marcel Hoppe, para finalizar, diz que o Estatuto é a receita, e a nos cumpre aviá-la (A Questão da Violência, Anais do Seminário da criança e do Adolescente, associação dos Procuradores do Município de Porto Alegre).
                            

                                CAMPANHAS CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE   PENAL

Há também campanhas de manifestação que se opõe a redução da maioridade penal, onde as principais instituições que defendem essa manifestação são essas:

Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP
Associação Brasileira de Orientação Profissional – ABOP 
Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental – ABPMC 
Associação Brasileira de Psicologia Política – ABPP 
Associação Brasileira de Neuropsicologia – ABRANEP 
Associação Brasileira de Psicoterapia – ABRAP 
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional – ABRAPEE
Associação Brasileira de Psicologia do Esporte – ABRAPESP 
Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO 
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia – ANPEPP 
Conselho Federal de Psicologia – CFP 
Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia – CONEP 
Federação Nacional dos Psicólogos – FENAPSI 
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica – IBAP 
Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento – SBPD 
Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar – SBPH 
Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho – SBPOT 
Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura – SOBRAPA


Vejamos agora as 10 razões da psicologia para ir contra as ideias de redução da maioridade penal:

1. A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens, permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social quanto físico;
2. É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria sociedade;
3. A adolescência é momento de passagem da infância para a vida adulta. A inserção do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade, ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer – lhe as condições sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas condições para todos os adolescentes;
4. A adolescência é momento importante na construção de um projeto de vida adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com segregação e, sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no sistema de educação e trabalho;
5. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe responsabilização do adolescente que comete ato infracional com aplicação de medidas socioeducativas. O ECA não propõe impunidade. É adequado, do ponto de vista da Psicologia, uma sociedade buscar corrigir a conduta dos seus cidadãos a partir de uma perspectiva educacional, principalmente em se tratando de adolescentes;
6. O critério de fixação da maioridade penal é social, cultural e político, sendo expressão da forma como uma sociedade lida com os conflitos e questões que caracterizam a juventude; implica a eleição de uma lógica que pode ser repressiva ou educativa. Os psicólogos sabem que a repressão não é uma forma adequada de conduta para a constituição de sujeitos sadios. Reduzir a idade penal reduz a igualdade social e não a violência - ameaça, não previne, e punição não corrige;
7. As decisões da sociedade, em todos os âmbitos, não devem jamais desviar a atenção, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus problemas. Uma das causas da violência está na imensa desigualdade social e, conseqüentemente, nas péssimas condições de vida a que estão submetidos alguns cidadãos. O debate sobre a redução da maioridade penal é um recorte dos problemas sociais brasileiros que reduz e simplifica a questão;
8. A violência não é solucionada pela culpabilização e pela punição, antes pela ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que a produzem. Agir punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos produtores e mantenedores de violência tem como um de seus efeitos principais aumentar a violência;
9. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou possibilidade;
10. Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. Nossa posição é de reforço a políticas públicas que tenham uma adolescência sadia como meta.

Igualdades nos pontos de vista em defesa da não redução da maioridade penal.
 ECA
Impossível discutir redução da maioridade sem nos remetermos ao ECA. Criado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente institui a responsabilidade penal a partir dos 18 anos. Ana Karina afirma que este marco foi estipulado por critérios políticos que se articulam a um processo de maturação neurológica e psicológica que depende muito do ambiente social onde se vive. “Antes disso, os adolescentes têm dificuldade de entender a irreversibilidade dos seus atos”, analisa. Entretanto, a psicóloga pontua que podemos explicar o comportamento dos adolescentes, mas não justificá-los. “Se ele comete um ato infracional deve responder por isso. E a resposta do próprio Estatuto é punitivo associado ao estabelecimento de um processo sócio-educativo”, esclarece. Segundo ela, as medidas contidas no ECA são a Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semi-Liberdade, Internação Provisória e Internação. “O adolescente perde o seu direito de ir e vir”, acrescenta.
Antes do Estatuto, havia um código de menores onde estava definido que crianças abandonadas ou que cometiam atos infratores teriam que ter suas vidas transformadas pelo Estado. Todas eram recolhidas para uma mesma instituição, as Febem’s. O ECA surgiu para romper com isso, estipulando que toda criança e adolescente são iguais, independente da classe social. A proposta, porém, ainda não está bem compreendida pela sociedade, tampouco sendo aplicada como deveria. O que se vê nas atuais unidades de internação é que as medidas sócio-educativas voltadas para os adolescentes infratores não estão sendo implementadas de acordo com o Estatuto. “Não podemos dizer que o Estatuto falhou na possibilidade de reduzir o índice de adolescentes infratores porque ainda não foi aplicado de acordo”, afirma Ana. “Por enquanto a sociedade é que fracassou na aplicação dos mecanismos estabelecidos”, finaliza. 
A Constituição
Entre os projetos que tramitam no Congresso Nacional está a proposta de emenda da constituição (PEC 26) de autoria do Senador Íris Rezende (PMDB/GO) que “altera o artigo 228 da Constituição Federal, para reduzir a idade prevista para a imputabilidade penal, nas condições que estabelece”. Contrário à redução, o juiz da 37ª Vara Criminal, Geraldo Prado, chama a atenção para os direitos fundamentais da criança e do adolescente. “Toda criança e todo adolescente tem os mesmos direitos fundamentais que os adultos e, além desses, outros especiais”, considera. Entre os direitos especiais garantidos na constituição para os adolescentes e as crianças, está o de não serem responsabilizados criminalmente antes dos 18 anos. “Independentemente do grau de conscientização ou maturidade de um adolescente, nós constituintes entendemos que a punição criminal é um castigo enorme para alguém nessa faixa etária, por mais grave que seja o ato que venha a praticar”, justifica. O magistrado ainda reforça que trata-se de uma cláusula pétrea, ou seja, regra que não admite retrocesso.
Do ponto de vista da luta de classes, Prado vai mais além. Para ele, o debate da redução da maioridade é um retorno disfarçado do autoritarismo que insiste em criminalizar adolescentes, especialmente os que moram nas favelas e periferias. “É todo um projeto de criminalização contra um grupo de pessoas que são ‘indesejáveis’ na sociedade”, discute. “Há mais negros dentro das cadeias do que nas universidades”, exemplifica.
Os direitos humanos
O debate da responsabilidade penal esbarra também na questão do sistema prisional. Pesquisas do censo penitenciário revelam que as unidades de internação têm índices de reincidência menores do que as prisões. Os dados não são precisos, mas em 1995/96, a FEBEM registrou cerca de 65% de reincidentes enquanto que nas penitenciárias o índice foi de 80%. Já em 2003, o índice caiu para 30%, chegando a 12% nas unidades mais próximas do perfil do ECA. Os números comprovam que o caminho é investir no sistema sócio-educativo, ao invés de superlotar as penitenciárias brasileiras.
 A doutora em psicologia social e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Observatório de Favelas, Raquel Willadino, aponta a ausência de reflexão sobre o sistema penitenciário neste debate. “Não podemos jogar os adolescentes dentro de um sistema que intensifica os problemas que o levaram para lá”, posiciona-se. Ela prevê que ao reduzirmos a idade penal, estaremos inserindo cada vez mais crianças nas atividades ilícitas. “Reduzir não trará nenhum benefício, a não ser um retrocesso no campo dos direitos”, enfatiza. “Temos que reorganizar o sistema em função do adolescente enquanto sujeito de direito”, sugere. 
De acordo com Raquel, o movimento de direitos humanos se posiciona contra a redução da maioridade penal no Brasil. “Existe uma Frente Parlamentar que prioriza a discussão sobre criança e adolescente intervindo no Congresso Nacional em favor do ECA”, informa.
 *Karine Mueller é jornalista do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.

                            Maioridade penal 

A morte do menino João Hélio, de 6 anos, arrastado por um carro depois de um assalto no Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal no país. Como em outros crimes violentos, menores de idade tiveram papel ativo no brutal crime - mas poderão ficar no máximo 3 anos presos. Saiba quais são os principais argumentos dos defensores e dos críticos da medida - e como a mudança na lei poderia ser realizada.


                   O que é maioridade penal?
A maioridade penal fixada em 18 anos é definida pelo artigo 228 da Constituição. É a idade em que, diante da lei, um jovem passa a responder inteiramente por seus atos, como cidadão adulto. É a idade-limite para que alguém responda na Justiça de acordo com o Código Penal. Um menor é julgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O que diz a legislação brasileira sobre infrações de quem                                       não atingiu a maioridade penal?
Pela legislação brasileira, um menor infrator não pode ficar mais de três anos internado em instituição de reeducação, como a Febem. É uma das questões mais polêmicas a respeito da maioridade penal. As penalidades previstas são chamadas de “medidas socioeducativas”. Apenas crianças até 12 anos são inimputáveis, ou seja, não podem ser julgadas ou punidas pelo Estado. De 12 a 17 anos, o jovem infrator será levado a julgamento numa Vara da Infância e da Juventude e poderá receber punições como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade ou internação em estabelecimento educacional. Não poderá ser encaminhado ao sistema penitenciário.

   Como é a legislação brasileira em relação a outros países?
A legislação brasileira sobre a maioridade penal entende que o menor deve receber tratamento diferenciado daquele aplicado ao adulto. Estabelece que o menor de 18 anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos. Adota o sistema biológico, em que é considerada somente a idade do jovem, independentemente de sua capacidade psíquica. Em países como Estados Unidos e Inglaterra não existe idade mínima para a aplicação de penas. Nesses países são levadas em conta a índole do criminoso, tenha a idade que tiver, e sua consciência a respeito da gravidade do ato que cometeu. Em Portugal e na Argentina, o jovem atinge a maioridade penal aos 16 anos. Na Alemanha, a idade-limite é 14 anos e na Índia, 7 anos.

     Quais os argumentos para reduzir a maioridade penal?
Os que defendem a redução da maioridade penal acreditam que os adolescentes infratores não recebem a punição devida. Para eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante com os infratores e não intimida os que pretendem transgredir a lei. Eles argumentam que se a legislação eleitoral considera que jovem de 16 anos com discernimento para votar, ele deve ter também tem idade suficiente para responder diante da Justiça por seus crimes.

Quais mudanças são as propostas em relação à maioridade penal?
Discute-se a redução da idade da responsabilidade criminal para o jovem. A maioria fala em 16 anos, mas há quem proponha até 12 anos como idade-limite. Propõe-se também punições mais severas aos infratores, que só poderiam deixar as instituições onde estão internados quando estivessem realmente “resocializados”. O tempo máximo de permanência de menores infratores em instituições não seria três anos, como determina hoje a legislação, mas até dez anos. Fala-se em reduzir a maioridade penal somente quando o caso envolver crime hediondo e também em imputabilidade penal quando o menor apresentar "idade psicológica" igual ou superior a 18 anos.

O que dizem os que são contra a redução da maioridade  penal?
Os que combatem as mudanças na legislação para reduzir a maioridade penal acreditam que ela não traria resultados na diminuição da violência e só acentuaria a exclusão de parte da população. Como alternativa, eles propõem melhorar o sistema socioeducativo dos infratores, investir em educação de uma forma ampla e também mudar a forma de julgamento de menores muito violentos. Alguns defendem mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer regras mais rígidas. Outros dizem que já faria diferença a aplicação adequada da legislação vigente.

        Quem é contra a redução da maioridade penal?
Representantes da Igreja Católica e do Poder Judiciário combatem a redução da maioridade penal. Para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, a melhor solução seria ter uma “justiça penal mais ágil e rápida”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que o Estado “não pode agir emocionalmente”, pressionado pela indignação provocada por crimes bárbaros. Karina Sposato, diretora do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção e Tratamento da Delinqüência (Ilanud), diz que o país não deveria “neutralizar” parte da população e sim procurar “gerir um sistema onde as pessoas possam superar a delinqüência”. Tanto o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, afirmam que reduzir a maioridade penal não seria uma solução para a violência.

Quem se manifestou a favor da redução da maioridade penal?
Os quatro governadores da região Sudeste - José Serra (PSDB-SP), Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), Aécio Neves (PSDB-MG) e Paulo Hartung (PMDB-ES) propõem ao Congresso Nacional alterar a legislação para reduzir a maioridade penal. Eles querem também aumentar o prazo de detenção do infrator para até dez anos. Além dos governadores, vários deputados e senadores querem colocar em votação propostas de redução da maioridade.

Quais são os trâmites legais para reduzir a maioridade penal?
Depois de ser discutida pelo Senado, a proposta de emenda constitucional (PEC) deve ir a plenário para votação em dois turnos. Na seqüência, a proposta tem de ser votada pela Câmara dos Deputados para transformar-se em lei.

Que propostas sobre maioridade penal serão avaliadas pelo Congresso Nacional?
Das seis propostas de redução da maioridade penal que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado avalia, quatro reduzem a maioridade de 18 para 16 anos, e uma para 13 anos, em caso de crimes hediondos. Há ainda uma proposta de emenda constitucional (PEC), do senador Papaléo Paes (PSDB-AP) que determina a imputabilidade penal quando o menor apresentar "idade psicológica" igual ou superior a 18 anos.

Quando a Câmara dos Deputados votará as propostas de redução de maioridade penal?

Não há prazo definido. O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), não quis incluir o assunto entre as primeiras medidas do chamado “pacote da segurança”. O que tem ocorrido é que em períodos de comoção e mobilização da opinião pública o assunto ganha visibilidade e várias propostas chegam ao Congresso. Passada a motivação inicial, os projetos caem no esquecimento. A proposta para redução da maioridade está parada no Congresso desde 1999. Desde 2000, esta é a quarta vez que um “pacote de segurança” é proposto. O último “esforço concentrado” foi em junho de 2006, após os ataques do PCC em São Paulo, quando o Senado aprovou 13 projetos de endurecimento da legislação penal, que não incluíam a discussão sobre a maioridade. Em 2003, após a morte de dois juízes, houve uma “semana da segurança”. Em 2000, depois de um sequestrador de um ônibus ser morto ao lado de uma refém, a Câmara e o Senado criaram uma comissão mista para discutir o endurecimento das leis. Não houve votação originada desta comissão.
                                      
                     

                     Pesquisa realizada, desenvolvida e redigida por:
                                           Allan Douglas de Barros. 
                                     Autor e Redator do Blog.